Olá menino
Escrevo estas linhas, enquanto acabas de chegar a este mundo. Neste tempo que vivemos, nenhum ser humano merece tanto as boas vindas como tu. Os jornais têm publicado imensas notícias sobre ti, alguns com fotografias tuas, com teus pais, (também alguns animais!!!), despido, silencioso, aconchegado no teu berço de palha, mãos e olhos abertas, como que a querer agarrar a vida que tanto te custou e que muitos te quiseram tirar.
Muito poucos falam realmente de ti, da tua gestação, do esforço, sofrimento, paciência de tua mãe, da paciência do teu pai, do teu nascimento, no lugar onde nascem a maioria das crianças: desprovidas de tudo.
Tanto barulho, tanta luz e cor, desenfreado movimento nas novas catedrais: os centros comerciais. Poucos te visitam? Que te interessa? Não te basta ver esta alegria imensa, esta roda viva? Alguém, outro que tu, consegue tanta mobilização, tantas trocas comerciais, tantos jantares em família, tantas viagens e passeios, tantas oferendas,?...
Não fiques triste, meu menino, se não recebeste muitas coisas. Tens uma mãe e um pai ao pé de ti! Quantos como tu não podem dizer a mesma coisa!? Não houve uns certos pastores que foram visitar-te? Sim, não levaram nada, eram rudes no falar, “azoeiraram” os teus ouvidos com um falar forte e ao mesmo tempo. Iam esfarrapados, com um único pedaço de pão já de três dias. E então? Não fizeram eles a viagem para te ver?
E aqueles personagens misteriosos, aparecidos ninguém sabe de onde, que se diziam reis? Que desilusão ao encontrar-te “defendido” por dois mansos animais. Desconcertados, pensando que os seus presentes seriam ridículos no meio de tanta riqueza e sumptuosidade do “rei dos reis”, verificaram ser os mais importantes, os mais nobres para o momento!
Sim, as bombas continuam, indiscriminadamente, a matar, os corruptos a dormir tranquilos, os iníquos e injustos, a aproveitar-se dos mais fracos. Mas não és tu o “príncipe da paz”, o “manso e humilde de coração”? Há muitos que depositam imensa esperança em ti. Não para tu fazeres tudo, não. Um homem só, não o consegue. Mas pode ajudar, encorajar, iluminar, fortalecer, guiar,…
Há muitos que querem calar-te, excluir-te do seu círculo de influência, dos postos de reflexão e decisão. Alguns tentaram matar-te mesmo antes de nasceres. Não o conseguiram porque a carne da tua mãe foi a tua blindagem, a tua defesa. As mães, são assombrosamente bem feitas. Não existe no mundo couraça mais forte que o seu amor. É graças a ele que estás vivo.
Devo confessar-te que tenho medo: Como reagirás quando começares a dar-te conta da nossa triste realidade de guerras, violências, injustiças, opressão refugiados, fome, secas, desigualdades,… o que pensarás da raça humana que recebe com bombas um filho de Deus, um pequenino, membro da sua espécie?
Quero pedir-te que não nos odeies. Se puderes, procura compreender que a violência faz parte da nossa história; há entre nós aqueles que preferem a loucura das ideias a uma vida como a tua; há outros que ainda não aprenderam sequer “as primeiras letras do alfabeto do amor”. Perdoa-nos se puderes, meu menino. E luta obstinadamente por ser feliz, porque ninguém tem tanto direito de o ser como tu. Talvez possas então compreender porque experimentamos hoje tanta alegria e tamanha vergonha ao dar-te as boas vindas a este mundo, que muitas vezes nem sequer merece o adjectivo de “humano”.
Fica bem
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